Primeiras memórias

     Suas primeiras memórias remontam aos cinco anos. Seu pai havia lhe dado uma bananeira de presente. Era coisa simples. Ele havia acabo de plantar a muda e lhe havia ofertado. Altz sentiu-se lisongeado. Seu pai era homem muito conhecido na cidade. Vinha gente de todos os cantos do interior para ter com ele. Era médico, o mais acreditado. Só não fazia milagres por não se achar taumaturgo. Cria mais na técnica que no dom. Não que menosprezasse os dons de outros, é que nele, até o momento, ganhara tudo no esforço. Desde criança aprendera a ler sozinho. Tomara gosto por romances de cavalaria. Saíra de menino-de-engenho rumo a um que migrara para capital para ser doutor. Primeiro lugar em tudo, caindo nas graças de uma paixão, nela fez quatro filhos, e recebeu uma por adotiva. 

    Foi do seu pai também que Altz teve as primeiras experiências com palavras misteriosas de poder. As receitas que ele emitia, em caracteres ininteligíveis, no início por inépcia de Altz, mais tarde por pecarem na caligrafia, eram ordens de comando que mudavam a vida das pessoas. Tiravam-nas de doenças, controlavam movimentos mórbidos, faziam-nas aderir a acordos de mudança de vida. Receber uma planta daquele homem chegou a si como uma iniciação. 

    Todos os dias Altz olhava a bananeira que vigorava pequena e viçosa bem no meio do quintal. Acordava e ia direto à janela para vê-la. Manhã, meio-dia, tardinha, noite, calada da noite, cada passagem de olhar era um cuidado. "Não basta olhar, tem que regar", chamou-lhe a atenção seu pai. Passara a olhar e regar, e então, a falar com ela, como se fosse uma amiga querida. Um dia ela dá os primeiros sinais de decrepitude. Não era a simples secura da turgência, proteção contra o sol. Era algo mais grave, Altz sabia, e ficara aflito. Regou mais vezes, até perceber que o solo encharquara. A velocidade de degeneração aumentou. Sem mais saber o que fazer, pede socorro ao seu pai. Ele que cuidava de tantas vidas humanas, não seria o mesmo para um vegetal? O pai devolvera-lhe apenas um consolo: 

- Acalme-se, é da vida crescer e muchar. 

- Mas ela ainda nem virou bananeira, é só uma criança.

- Crianças também morrem. 

    Aquela última verdade caiu-lhe como uma guilhotina. Não era mais a bananeira que estava em jogo, mas a própria vida. Católico que era, pediu ajuda aos céus. Não era tempo de chuva. E os céus mantiveram-se em silêncio. Ainda em desespero, pensou nas rezadeiras do povo, a quem já vira seu papai encaminhando casos de cobreiro. Não conhecia nenhuma delas, mas sabia rezar. Com o passo sólido e ao mesmo tempo delicado seguiu rumo à bananeira, fechou os olhos, tocou em uma das folhas como quem segura uma mão querida e rezou, trouxe palavras do coração, sentiu arder o peito. Lágrimas derramaram-se dos olhos, teve medo de abri-los e ela estar morta. Abriu-os. Ela não estava. Também não estava curada. Nada acontecera ali, naquele instante.

    No outro dia, sim, ali, ela, com o verde mais brilhante. Ninguém poderia culpar Altz de ter buscado os rituais de alta magia, já que eles o tinham encontrado.


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